Ovakwambundo - O povo do nevoeiro
Era
eu ainda candengue e já ouvia os mais velhos falarem acerca de umas construções
circulares, talvez fundos de cabanas, encontradas no Morro Vermelho (paralelo
17º), que se desconheciam as origens, etc.. e tal.
Há
dias, quando pesquisava acerca da origem do nome “Baía dos Tigres” (texto atrás
publicado) encontrei as seguintes referências:
No
depoimento do explorador inglês Willian Messum, que em Janeiro de 1855 esteve
na Baía dos Tigres, refere o seguinte:
“Partindo da
entrada da bahia, caminhámos umas dez milhas ESSE. sobre imensas cabeças de
areia e ravinas curiosamente formadas. Achamos então uma aldeia de naturaes
composta de umas cincoenta famílias. Eram os mais bellos negros que se pode
ver; quase nenhum abaixo dos seis pés, e um bello rosto aberto. As mulheres
eram particularmente bellas como negras, notavelmente cheias e nutridas. Não
vimos gado grosso; nem miúdo. Parece viverem da caça, pois se viam restos de
numerosas antílopes e zebras, além de montes de conchas e espinhas de peixe. Em
quanto estivemos com eles, um negro de uma grandeza atlântica trouxe uma
gazela. As armas de que parecem usar, são um forte arco, maior ainda do que
eles: as settas são lindamente feitas, com barras de ferro, as azagaias similhantes
ás dos Cafres, mas mais compridas. A principal mulher trazia no cabelo alguns
botões; em roda do pescoço moedas portuguezas (moedas de cinco tostões) e
algumas contas. Todos elles tinham manilhas de cobre em roda dos braços e
tornozelos, mui limpas e tinha de tal sorte a apparencia e peso do oiro, que eu
cuidei que o eram, até as experimentar com agua forte. Fiquei maravilhado de
ver o logar d’onde tiram agua, que era de dura rocha de granito, e ainda que a
quantidade era pequena, era sumamente pura. Receberam-nos com temor; e
observaram-nos por algum tempo , tendo-se sumido as mulheres e creanças, e os
homens continuamente passavam os dedos pelo pescoço, como quem queria saber se
tínhamos ido para os matar. Eram particularmente atemorizados das armas de
fogo, e por caso nenhum as queriam tocar. Fomos obrigados a pôr as armas
debaixo de um penedo, e então as mulheres e creanças foram apparecendo. As
creanças mais pequenas nunca nos deixaram toca-los; mas os maiores logo
ganharam confiança, e começaram a examinar a nossa pelle com muita curiosidade.
Não sei até que ponto se teriam familiarizado comnosco, se nós lh’o tivéssemos
permitido”
No
livro Exploração Geográphica e
Mineralogica no Districto de Mossamedes em 1894-1895 de J. Pereira do
Nascimento, na parte em que explora as dunas a norte da baia dos Tigres:
“Sobre o fundo
chato e escuro d’estas pequenas bacias veem-se montículos de conchas e pelas
dunas abunda o ferro em pó.
Segundo dizem os
ba-koroca esta zona era, ha annos, habitada por uma tribu de gentios, os
ba-kuando, que se alimentavam de mariscos, cujos despojos formam os montículos
brancos espalhados pelos valles. Estes indígenas viviam dispersos por estes
oásis, sem habitações, nem plantações, á semelhança dos ba-kuisso que vivem em
grutas naturaes praticadas nas rochas pelo litoral ao norte de Mossamedes. Ha
annos sobreveio uma epidemia de variola que os desimou, retirando os restantes,
uns para Porto Alexandre, onde se empregam no serviço da pesca e outros
emigraram para o sul do Koroka”.
Também
no livro de Alexandre Magno de Castilho “Descripção
e Roteiro da Costa Occidental de Africa: Desde o Cabo Espartel até O das
Agulhas – Vol. 2”:
" Por segunda vez descemos a terra ao
romper da manhã de 23 de dezembro de 1854, e ao cabo de andarmos 4 ou 5 leguas
encontrámos um preto, pescando na borda do mar e junto a umas pedras. Interrogado
pelo nosso interprete soubemos que pertencia a uma tribo errante, para a qual
estava pescando e que acampára nas proximidades. Procurámo-la e vimos que se
compunha de 4 homens, 3 mulheres, 6 crianças e 19 cães, tudo accommodado em 2
barracas e um cercado feito de costelas e outros ossos de baleia;
sustentavam-se de peixe, secco ao sol; bebiam agua tão péssima que, apesar de
ardendo de sede, não podemos entrar com ella, e vestem-se apenas com trapos que
lhes tapam as verilhas. Caso raro, rejeitaram a aguardente que se lhes
offereceu, e sob pretexto de ser muito fria não aceitaram da nossa agua doce;
comeram porém com avidez farinha de pau, e estimaram muito o tabaco. Por elles
soubemos que ao cabo de 3 ou 4 dias de marcha para S. encontraríamos o rio
Cunena”.
E
ainda no Esmeraldo Situ Orbis (cap.
3º, liv.III) de Duarte Pacheco Pereira, acerca da viagem de Diogo Cão em Janeiro
de 1484:
“…é achada uma
enseada que terá duas léguas em largura na boca, que se chama Manga-das-Areias
(Baia dos Tigres), e esta se estende por dentro pela terra cinco ou seis
léguas, e na mesma bôca e dali por dentro tem 12 e 15 braças de fundo, e esta
terra é deserta e nenhum arvoredo tem, porque tudo é areia; e dentro nesta
manga há muita pescaria e, em certos
tempos do ano, vêm aqui do sertão alguns pretos a pescar os quais fazem casas
com costelas de baleias cobertas de sebes do mar, em cima lançam areia e ali passam sua triste vida”.
Já
havia lido, na obra de Cardonega, História
Geral das Guerras Angolanas, que em 1681, contava o seguinte:
“ Succedeo no
governo de André Vidal de Negreiros hir hum homem pratico a descubrir esta
costa por nome Joseph da Roza, por ver se achava alguma noticia de boca de rio
que entrasse para os Cuama, e chegando costa a costa, a dezouto graos, por alem
de Cabo Negro, não achando noticia, do que buscava, (resolveu?) trazer gentio
daquella paragem, que se não entendia nada do que fallava; e a falla como de
estralo, gente como selvagem, que bem o demonstravam assim em comerem a carne,
e peixe, e milho cru, e por acenos, só se entendia delles alguma couza, os
quaes se mandarão pôr outra vez em suas terras, á custa de quem os trouxe, sem
os haver comprado, nem resgatado, o que bem se demonstrava em tanta distancia
de sertão, haver mais províncias de gentios de differentes lingoas e costumes,
e não ser só a de o Hila.
José
da Rosa fez esta viagem em 1665, conforme se pode comprovar pelas inscrições do
morro da Torre do Tombo.
Também
já havia lido na obra de Alfredo de Albuquerque Felner , Angola - Apontamentos sobre a colonização dos Planaltos e Litoral Sul
de Angola, o documento de João Pilarte da Silva, na sua Rellação da viagem q’fez ao cabo Negro por
terra no ano de 1770 a procurar naufragados, conta o seguinte:
“Caminhamos a
descortinar as prayas das ditas q’ gastamos 5 dias de marcha violenta, sem se
achar povoado, e nem o há. Em trez dias não achamos agoa, por cuja razão me
morrerão varias pessoas; como também á falta de mantimentos: No fim dos 5 dias
avistamos as prayas, e o Cabo Negro.
São todas as
terras dezertas de montes, e pedras, despenhadeiros athe chegar ás Prayas q’ se
avistão dos últimos montes, e se descobre huma plainice muito grnde, e
dilatada, de terra tão seca, q’ em toda ella se não vê huma só arvore, nem
folha verde. Terá a largura do fim dos montes the as prayas 3, Legoas, e de
comprimento, he quanto se pode alcançar com a vista. Da parte de Cabo negro,
tem muitos montes de pedras, e furnas feitas pela natureza, q’ parecem
armazéns, e obras arteficiaes, de q’ se serve aquelle gentio para guardarem as
fazendas; e trastes dos navios q’ ali dão a Costa; cuja experiencia fizemos por
ali acharmos fragmentos de navio, retalhos de fazendas, e dois caldeiroins de
cobre q’ fizemos conduzir: algumas ferragens de navios e o vão de hum calis de
pratta.
Esta anciada de
Mar he muito sossegada, parece Rio morto, e se não achou jangada, nem couza q’
se presumisse o poder servir para Pescarias, nem páo, ou taboa de qualidade
alguma, e por isso não podemos sondar o fundo daquela anciada. Para a parte Sul
pegado a huns montes achamos hum Rio largo e seco como o Maribombo, q’ vem por
entre os montes de longe das terras de Auyla, e vay desaguar ao Mar muito para
o Sul, e ali se fazem cassimbas, e se tira agoa dosse, e boa. De hum lado deste
Rio achamos huma Lagôa muito larga, e bastantemente funda, q’ terá de
comprimento meya Legoa, e de largura, 50 Braças, e outras pequenas ao pé. A sua
agoa he salobra. Nas margens deste Rio tem mateveiras, q’ são as únicas arvores
q’ ali vimos; a palha he massangala-lá bravo, e na margem da Lagôa tem muitos
páos de Bimbas, e caniços bravos, como os q’ se achão no Maribombo, e alguns
espinheiros.
Nesta Lagôa há
muita taynha, e outras qualidades de peixes em q’ os Negros fazem suas
pescarias, mas não achamos jangadas, nem outra couza em q’ se podesse presumir
elles hirião pescar. Nas margens do Rio, e Lagôa he q’ achamos humas
Barraquinhas de negros as três, e quatro em diversas partes, e so em huma
parage achamos 15 juntas q’ por todas fazião 50 muito pequenas, e baixas
cubertas dos ramos dos páos das Bimbas. As paredes são dos ramos ditos e
favricão humas esteiras de massangala-lá com q’ reparão também as cazas, e
algumas cobrem com ellas, e as mudão quando querem de hum para outro lugar.
Este gentio he
muito bravo, e logo q’ nos virão, sendo elles hum numero tão diminuto, q’ não
chegarião a 50 nos investirão com grande violência, sem darem atenção ao q’ se
dizia, de forma q’ foi preciso defender deles, e apoder de tiros se retirarão:
Uzão de arco, e flechas, porem são mais pequenas q’ as dos mais gentios: Os
Negros grandes trazem hum pequeno couro de Boy a diante, cobrindo as suas
partes, e o mais tudo Nú: As mulheres andão nuas, e so algumas trazem huma tira
do tal couro como cinta na Barriga. Não falão senão por estalos, e se entendem
por acenos, por cuja cauza não havendo quem os entendesse, nada podemos averiguar
de mais circunstancia, nem donde seria a Povoação mayor, e sempre infirimos q’
mais para o Norte, ou Sul estaria, o q’ não podemos descobrir em 5 dias q’ ahi
nos dilatamos.
Chagamos ás
Prayas, e anciada, q’ se diz ser de cabo Negro, e a sua vista q’ assim
certificou o Piloto Jozé dos Santos, achamos o Mar morto, como hum Rio sem
violência alguma, e as prayas dezertas, e daqui se ve huma grande restinga q’
bota ao mar, e he de areya.
Todos os montes q’
há, são mineraes de salitre, e he tanto q’ nunca se poderá extinguir, e a hum
lado desta marge achamos duas Salinas obra da natureza; huma de sal vermelho em
sima e verde por baixo, a outra de Sal muito branco como cristal. Ao pé desta
Lagôa achamos vistigios de terem ali falescido alguns brancos, por acharmos
muitas caveiras q’ não podião ser de gentio por q’ estes enterrão os seus
corpos nos montes entre pedras, e consideramos serem estrangeiros pelos
retalhos de fazendas q’ inda achamos em buracos daquelas furnas diferentes das
nossas.
Este gentio segundo
podemos coligir se sustentão de peixe, e alguma carne das suas caçadas: comem
também os olhos dos caniços, e algum leite, porq’ achamos algumas vacas, muito
pequenas, e diferentes das nossas, porq’ os rabos arrastão no chão, e não
podemos conduzir nenhúa por serem muito magras, e não aturarem a marcha.
Trouxemos duas
Negras daquele gentio, q’ nos derão algumas noticias, e falescerão de Bexigas
na viagem, e o mesmo sucedeo a muitos dos nossos Negros. Os daquele gentio são
muito perros, e apenas se apanha algum logo toma o folgo, e morre.
Pelas grandes fomes,
e frios q’ ali experimentamos, e nos hir morrendo a gente, e Boys Cavalos, não
nos podemos dilatar mais de 5 dias, e nada podemos mais descobrir, e na
retirada nos sahirão ao encontro como Leons, de q’ nos custou livrar.
Parece impossível
de habitar semelhante terra por ser muito agreste, e falta de mantimento, e
agos, e suposto tenha ao pé da praya hum monte alto em q’ se pode erigir
povoação, não tem agoa se não da li a 3 Legoas”.
Todos
estes relatos aguçaram a minha curiosidade pois logo percebi que poderia haver
uma ligação entre as tais construções e este povo que se faz referência. Assim
continuei a minha pesquisa e o que encontrei foi deveras surpreendente.
No
livro “De Angola à Contracosta” de Capelo e Ivens, na parte da exploração do
Rio Curoca, encontrei o seguinte:
“Apenas alguns
baximbas nómadas por ai às vezes se aventuram, como depreendemos de um tronco
queimado que encontrámos e por uns círculos de pedras, talvez sepulturas,
dispostas à feição dos cromlechs, nas proximidades da garganta de que falámos;
onde, sem embargo de muitas escavações, não encontrámos despojos, e isto nos
levou a crer que, se para tal fim ali foram colocadas, era circundado o cadáver
que as aves e feras devoraram, se não ao lado que o depunham, segundo o
nascente ou poente, como já no Senegal se encontrou”.
Os
fundos de cabanas que aparecem ao sul da Baia dos Tigres e também na região da
Espinheira, foram estudados em 1967 pelo Dr. Alberto Machado da Cruz, então
conservador do Museu da Huíla, na cidade do Lubango.
Do
seu trabalho consta o seguinte:
“Em 1959 foi-nos possível
deslocar até essas paragens da ponta Sudoeste de Angola, e tivemos oportunidade
de ver muitas dessas construções circulares, no Morro Vermelho, que fica no
paralelo 17, sobranceiro à costa marítima, um pouco para su-sudeste da baia dos
Tigres, e mais para dentro, próximo da Espinheira, etc., que mais do que
monumentos funerários e de nenhuma forma cromeleques, nos pareceram, pura e
simplesmente habitações. São pequenas casas, de facto circulares, construídas
com lajes enterradas, por uma extremidade, no chão e inclinadas para o
interior, tomando o conjunto a forma de um tronco de pirâmide, muito tosco.
Sobre as juntas, uma outra laje se sobrepõe para impedir ou diminuir a entrada
dos ventos.
A observação destas construções levou-nos a
proceder imediatamente ao inquérito etnográfico nos povos da orla do deserto,
com vista a encontrar quaisquer recordações da gente que as construíra. Próximo
do Iona encontrámos uns indivíduos do grupo Ovatchimba (Himbas) que nos deram
as seguintes informações:
Antigamente,
antes da invasão dos Himbas, habitava a região um povo de nome Ovakwambundo
que, em lutas com eles, Himbas, foi desaparecendo. Era dono da terra e usava
construir casas com lajes, como estas que ainda se podem ver e que lhe
pertenceram. Ainda hoje existem, no rio Coroca, alguns sobreviventes dessa
gente, mas poucos, a viverem com outros povos.
E um dos informadores acrescentou, com um
sorriso, misto de compaixão e de desprezo:
Era
gente muito atrasada, nem era gente, que durante muito tempo não conhecera o
uso do fogo, nem das panelas. Comiam a carne e o peixe crus. O peixe, abriam-no
e expunham-no ao sol, sobre um penedo, e ficava pronto a ser comido. Quando se
encontraram com os Kwepes, foram estesque lhe ensinaram o uso do fogo e das
panelas para cozer os alimentos. Ovakwambundo e Ovakwepe eram amigos mas não se
cruzavam.
Um outro Mutchimba fez-nos esta observação
que atesta a proximidade que os dois grupos viveram:
O
povo Ovakwambundo vivia de principio na Mulola do Humbe, próximo do Cambeno,
mas costumava roubar os nossos gados e nós tivemos que o combater.
Já ao serviço do Instituto de Investigação
Cientifica de Angola, prosseguimos o nosso inquérito arqueológico, tendo-nos
sido possível registar 182 casas, algumas das quais só em vestígios precários, assim
distribuídas: no Morro Vermelho, por entre as dunas, quarenta. Nestas
distingue-se um pequeno agregado circular de 22,70 m de diâmetro, constituído
por onze casas, das quais duas gémeas e uma fora do circulo, mas muito próxima
dele. Estas do agregado circular são das mais pequenas que vimos, pois têm de
diâmetro interior somente 1,80 m. As outras regulam pelos dois metros.
Nas proximidades do Morro do Leão, quarenta
e três, e um pequeno abrigo debaixo de um rochedo, delimitado por uma fila de
lajes, colocadas na projecção vertical dos limites do mesmo rochedo.
Junto do
Morro Encarnado, cinquenta. Na damba que corre entre este morro e a pista da
Espinheira, vinte e cinco. Nesta mesma damba tive, igualmente, ocasião de
observar diversas cavidades por baixo dos rochedos, com vestígios de terem sido
abrigos. Numa pequena elevação junto do Morro do leão, catorze. São estas as de
maior diâmetro – 2,20 m. Junto de outro morro que fica para o sul do Morro do
leão, e cujo nome não consegui averiguar – é provável mesmo que o não tenha -,
sete. Na bamba do Tocolombuende, três. E quantas a areia não terá sepultadas?
Igualmente, prosseguimos o nosso inquérito etnográfico junto dos povos
que marginam esta região desértica, pelo norte os que vivem ao longo do rio
Coroca, e por leste os que vivem nas imediações do meridiano 12º 35’, no
Cambeno, Iona, Pediva, etc… Por toda a parte, sempre a mesma informação, com
ligeiras, e sem interesse, cambiantes: Era
uma gente que vivia lá para a beira do mar, na região do nevoeiro, que não
sabia fazer nem usar o fogo, que não tinha panelas e comia a carne e o peixe
crus. Foram os Kwepes que lhes ensinaram o uso do fogo e das panelas na
preparação dos alimentos.
No Iona, o tchimba
Twetima deu-nos a seguinte informação:
Os Kwambundos, primeiro viviam ao pé da
praia, depois é que vieram para próximo do Cambeno, mulola do Humbe, e quando
da invasão dos Cambari Cangolo – Hotentotes – é que voltaram para a beira do
mar, e daí tomaram o caminho do Norte. Os Tchimbas, continua a informação,
vieram para o Cambeno perseguidos pelos Cambari Cangolo, e nessa altura é que
encontraram os Kwambundos, que viviam nas imediações, comendo tudo cru, porque
não tinham fogo. Foram eles Ovatchimba, que os ensinaram a fazer e usar o fogo
e também a comer a farinha das sementes de gramíneas que as formigas ceifeiras
armazenam nos seus celeiros.
Há nesta
informação uma discrepância em relação às outras, quanto aos agentes do
ensinamento da utilização do fogo. Julgo, porém, que ele não tem importância e
que nem sequer há contradição, pois nada mais natural que, em cada extremo do
habitat dos Kwambundos, o agente de aculturação tenha sido o povo com o qual ai
contactatram. No limite sudeste foi o grupo Ovatchimba, no limite noroeste foi
o grupo Ovakwepe.
Quanto à língua,
nada conseguimos saber, senão nos indivíduos do grupo Ovahimba, de expressão
bantu, que nos disseram que eles falavam de uma forma que os demais não
entendiam.
No vale do Coroca,
próximo de São João do Sul, encontramos um kwepe que nos fez a revelação, aliás
confirmada por todos os demais que interrogámos: Os Kwepes eram família dos Kwandos. O povo Ovakwepe veio daquele lado –
apontou o norte com a mão – e o povo Ovakwambundo veio de baixo – apontou o
sul; vieram, primeiro dos lados do Iona para a beira mar; depois foram subindo
até que se encontraram com os Kwepes. Estes perguntaram-lhes de que se alimentavam;
eles mostraram-lhes peixe que apanhavam quando a maré descia, que abriam com
uma faca de pedra, punham sobre um rochedo ao sol e comiam de seguida. Os
Kwepes pediram-lhes um para provarem, mas assaram-no no fogo. Os Kwambundos
pediram para os deixarem provar o peixe assado, e gostaram. Depois pediram aos
Kwepes os pauzinhos de fazer o fogo. Os Kwepes ensinaram-nos a menejá-los. Dai
em diante todos os kwambundos passaram a trazer consigo os pauzinhos. E os
Kwepes começaram a usar o peixe na sua alimentação.
Um velho quimbar
de nome Rogério, que era rapaz quando da visita do Principe D. Luiz Filipe a
Angola, trabalhando já nessa altura nas fazendas de São João do Sul, no vale do
Coroca, próximo da Onguaia, disse-me que conhecera os Kwambundos vivendo junto
dos Kwepes, na margem esquerda do rio Coroca, no local denominado Mucote ou
Púlpito do Sul; que era gente muito atrasada, que sempre ouvira dizer que antes
de contactarem os kwepes comiam a carne e o peixe crus e não sabiam fazer nem
utilizar o fogo. Pedi-lhe que me levasse ao Púlpito do Sul, ao que logo se
prontificou. Fica numa pequena elevação da margem esquerda do rio, recoberta de
pequenas dunas contra os ventos do sudoeste. E, segundo ele me informou, eram
as dunas que lhes serviam de abrigo por um lado, limitando-se, do outro, a
tapar com os ramos de arbustos. Nessa
época havia muito peixe – continua a informação – o mar deixava-o na areia, mas os Kwambundos costumavam atirar um anzol
com um peixe muito pequeno a servir de isca. Por essa altura que o Rogério
os conhecera, princípios do século XX, os homens ocupavam-se da pesca e as
mulheres faziam pequenas culturas de feijão, abóbora, etc.
Quando os brancos se estabeleceram em Porto
Alexandre, esclarece ainda o Rogério, os
Kwambundos foram os primeirosa servir nas pescarias e mudaram do Púlpito do Sul
para a baia. Depois cruzaram-se com outras gentes que os brancos trouxeram para
o trabalho, e hoje quase já não há Kwambundos. Os poucos, que se sabe que deles
descendem, já não se lembram de nada. O grupo aculturou-se e extinguiu-se.
… Desta forma,
apoiados numa tradição que os documentos escritos confirmam, e na pesquisa
arqueológica, temos já elementos suficientes para poder dizer que na segunda
metade do século XVII, havia em Angola um povo conhecido por “Ovakwambundo”, em tão atrasado estado
cultural, que comia a carne e o peixe crus, assim como todos os alimentos de
que usava, semente de gramíneas, casca de certas árvores, raízes, etc., muito
provavelmente por desconhecimento do processo de produção do fogo e da falta de
combustível para ele; que até a carne de carnívoros aproveitava; que este povo
vivia na faixa marítima do deserto do Namibe, nas imediações do paralelo 17º, onde
deixou vestígios das suas habitações em pequenas construções circulares com
lajes, que ainda hoje podemos observar; que também utilizavam, quando o mar
lhos oferecia, e noutros locais mais pobres de materiais de construção, os
ossos de baleia para estrutura dos seus abrigos, que, impelidos para o Norte, certamente
por pressão de outros povos invasores, vindos de Leste, se fixaram nas
proximidades da baia de Porto Alexandre onde nem habitações construíram,
limitando-se a utilizar as cavidades que as dunas formam na parte oposta ao
lado de onde sopram os ventos; e que, finalmente, aqui, nestas novas paragens,
o grupo se extinguiu como unidade étnica, quando a indústria da pesca se
estabeleceu e as suas aptidões de gente de longa vivência do mar, puderam ser
aproveitadas.”
Perante estas
evidências, cheguei à seguinte conclusão:
O povo
Ovakwambundo foi um povo pré-banto que habitava a região compreendida entre o
vale do Curoca e o Rio Cunene, desde há muitos séculos, provavelmente
empurrados pela invasão dos Bantus, e que existiu até final do séc. XIX,
princípios do séc. XX.
Acredito que os pretos, que refere Duarte Pacheco
Pereira, aquando a viagem de Diogo Cão em 1484 à Manga das Areias (Baia dos
Tigres), já eram elementos deste grupo étnico, pois o tipo de habitações que
descreve coincidem com as encontradas por Willian Messum e Alexandre Magno de
Castilho e as estudadas pelo Dr. Alberto Machado da Cruz.
Também o gentio que José da Rosa levou para
Luanda, quando em 1665 andou pelo paralelo 18 não deixa dúvidas que eram de povo
pré-banto pelo tipo de linguagem que utilizavam e também o facto de comerem
tudo cru evidencia que não utilizavam o fogo, característico desta etnia.
Já João
Pilarte da Silva na sua viagem do Jau ao Cabo Negro, efectuada em 1770, dá-nos
conta de que aquele povo falava por estalos, o que provavelmente estariam na
presença de elementos desta gente. Um pormenor interessante, foi o facto que as
duas negras daquele gentio que
levavam consigo terem falecido de bexigas. Sabemos que as bexigas era o nome
pelo qual era conhecida na altura a varíola, facto que também J. Pereira do
Nascimento refere no seu livro Exploração
Geográphica e Mineralogica no Districto de Mossamedes em 1894-1895, como
tendo sido uma das causas da extinção dos Ovakwambundos. Acontece que, certos povos, que viveram muitos anos isolados se
tornam muito vulneráveis a vírus provenientes de outros continentes, como aconteceu
nas civilizações da América do Sul, e a varíola, era nessa altura muito comum
entre os europeus e gente que com eles contactava. Creio, embora o Dr. Alberto Machado
da Cruz não o refira, que esta também terá sido uma das causas da sua extinção,
a par das por ele apresentadas.
Em todas as
narrativas há imensas coincidências que me deixam convicto de que estamos na
presença de uma única e só etnia, que por pressão de outras civilizações
desapareceu, restando talvez algum do seu sangue correndo nas veias de alguns
Quimbares de Onguaia e Tômbwa.
19 de Agosto de 2014.