terça-feira, 16 de setembro de 2014



Soba Luhuna

Logo que os portugueses de Angola tomaram contacto com os povos residentes para sul do Kuanza, tiveram conhecimento da existência do Humbe Inene (Humbe Grande), imenso território chefiado por um potentado importante, que subjugou, por muito tempo, povos vizinhos e mesmo afastados, como o Bié.
Em virtude desse conhecimento e atraídos por uma alarmante suposição de grandes riquezas, a cobiça levou de imediato os colonos, após a fundação de Benguela, a procurar o Humbe Grande e do Humbe Pequeno, conforme se escrevia em 1770: Lá onde “a entrada dos brancos até agora se não tem podido conseguir, e nem se conseguirá sem grande poder; tanto porque estes negros são valorosos, em grande número, e de muito ânimo, como porque é contra as suas leis, o entrarem-lhe os brancos dentro das suas terras (e ainda mesmo negros vestidos ou calçados). Eles pois dão tanto a conhecer o seu valor e desapego pela vida, que longe de fugirem nas suas guerras que perdem, esperam a pé firme pela morte, juntos com o seu soba. Este recebe presentes dos brancos, e só trata com eles por via de pombeiros pretos. Os seus filhos entram aqui (Benguela) todos os dias a vender escravos, e marfim. Eles são os que mais familiarmente se tratam com os brancos; os escravos mais fiéis, e os que mais resistem aos embarques para a América”.
Como se pode ver este sempre foi um território cobiçado pelos portugueses e cujo povo resistia heroicamente a essa penetração e como tal eram frequentes os conflitos.
Assim em 1886 depois de mais um conflito, os portugueses depõem o soba Tchaungo, que conseguiu fugir e substituem-no pelo seu irmão Tchioia.
Essa mudança não trás acalmia à região, porque a força militar portuguesa era insuficiente para a impor, e à frente dos revoltosos encontravam-se, o soba insubmisso Tchaungo (preso em 1888), o soba Mané Ntungo (preso também depois de muitos trabalhos em 1889 no Quiteve) e o célebre régulo Luhuna, que o chefe do concelho pretendera também capturar, em duas tentativas extremas, feitas no mesmo ano de 1889, sem alcançar, contudo, o seu objectivo. Esse facto aumentou-lhe o prestígio entre o seu povo, pelo que o numero de seguidores foi aumentando gradualmente, até que em 1891 Luhuna declara guerra ao soba avassalado Tchioia, que residia ao lado da fortaleza dos portugueses, procurando substitui-lo.
No relatório do chefe do concelho do Humbe, capitão Luna de Carvalho para o governador de Mossâmedes, consta: “Convicto o Luhuna da impossibilidade de poder atacá-lo (ao Tchioia), aproveitou-se da antipatia que o povo vota ao actual soba, e, atraindo aquele com promessas, não tardaram as terras de Muculo, Mahengue e circunvizinhanças a aderirem à sua causa, exacerbadas como estavam contra o seu soba, por não querer ou não saber dar chuvas!
O Luhuna, de guerrilheiro que era, depôs as armas e arvorou-se em cirurgião das chuvas, prometendo que breve faria chover, o que de resto sucedeu por feliz acaso; com as primeiras chuvas coincidiu a enchente do Rio Caculuvar, pelo que ele anelava para ver cortadas as comunicações do soba com a fortaleza, e dois dias depois da enchente, fui avisado do que o rebelde se dispunha a atacar a embala.”
Nesse sentido, o dito Capitão enviou 12 soldados para protegerem o soba e dias depois quando Luhuna atacou a embala, foi repelido pelos soldados que ali não contava encontrar. Apesar de derrotado, com o seu arrojo, continuou a granjear mais prestígio e adeptos entre os seus.  
Entretanto os portugueses tentam por via diplomática atrair Luhuna a um encontro com o intuito de o capturarem, o que não sucedeu porque entretanto Luhuna não desistindo da sua intenção de derrubar o soba Tchioia, ardilou uma emboscada ao mesmo. O soba Tchioia, exaltado com a vitória sobre Luhuna, reclamava vitória. Luhuna fez-lhe constar que se encontrava isolado e desacompanhado. Tchioia, convence os soldados que lhe davam protecção, prometendo-lhes que lhes entregaria todo o gado que fosse apreendido na operação, se o acompanhassem nessa sua intenção de aniquilar Luhuna e assim partem para a batalha. Chegados ao local onde deveriam encontrar Luhuna, viram-se cercados pelas hostes do guerrilheiro e foi a hecatombe. Os muhumbes que acompanhavam Tchioia passaram-se para lo lado de Luhuna e os soldados que não fugiram foram ali liquidados. O soba Tchioia logrou fugir e foi procurar refúgio na fortaleza dos portugueses.
Luhuna ainda se sentiu mais moralizado com a vitória e tratou de se impor como soba do Humbe. A submissão dos muhumbes não foi tão fácil como previsto tendo que recorrer mesmo à força, com o apoio de Muene Mufito e Muculo e assim o povo da margem direita do Caculuvar se curvou perante a sua vontade, reconhecendo-o como legitimo soba. Com metade da terra a seu lado e coadjuvado por mucuamatis e mu-dongoenas que se lhe aliaram, fez algumas incursões sobre o povo da margem esquerda que acabou também por o reconhecer.
Já senhor do Humbe, faltava-lhe ainda desfazer-se do soba Tchioia que continuava refugiado na fortaleza portuguesa. Reunindo um pequeno exército composto por elementos do Humbe, Dongoena, Hinga, Chatona, Aiquero e Qualunde, atacou a fortaleza, que foi resistindo com muitas dificuldades às suas investidas. Não fora terem entretanto chegado reforços de peso para os portugueses, Luhuna teria logrado os seus intentos. Os reforços que chegaram em resposta ao pedido de auxílio enviado para Mossâmedes, era composto por 20 boers, 30 bushmen, 44 bergdâmaras, 500 muchimbas, 20 bastards, além de caçadores e cavalos do esquadrão irregular, uma peça Krup, uma metralhadora e o material de guerra suficiente para as operações. Esta coluna composta na sua maioria por gente afecta aos Boers e comandada por eles, vinham com o propósito de pilharem o gado aos muhumbes, fazendo a política de pilhagem e terra queimada.
A primeira razia deu-se no Mofito, tendo o soba Muene Mofito fugido para as terras do sogro Muene Chatire, cuja quimpaca era considerada inexpugnável. Atacada com artilharia e cavalaria, a quimpaca do régulo foi tomada e incendiada, tendo os mesmos fugido para o Muenhe, perseguidos pela tropa portuguesa e onde se deu nova e renhida batalha que redundou numa razia aos Humbes. Perante isto Luhuna refugiou-se no Dongoena. Sabendo disso os portugueses para lá se dirigem e marchando pela Tchipola  dão-se confrontos sucessivos em Chieti, Econgo, Hinga e Oire. Entretanto Luhuna reúne o que resta do seu exército numa floresta na Tunda, onde se travou mais uma difícil batalha onde perderam a vida mais de cem guerreiros de Luhuna e foram apreendidos 3000 bois, 1000 carneiros e muitas cabras. Esta derrota permitiu aos portugueses a imediata vassalagem do secúlo Capunda, o mais poderoso da Hinga, que prometeu prender Luhuna, se voltasse a refugiar-se no seu território.
As operações para a captura de Luhuna continuam e são raziadas as terras de Chipelongo, Cabole, Co-Kubango, Chetechete, Hiua, Pucolo e Cacolongombe, dos quais resultaram a morte de inúmeros apoiantes de Luhuna e a pilhagem de muito gado. Enquanto decorriam estas operações iam sendo avassalados vários fidalgos respeitáveis.
Luhuna, batido em toda a parte, já quase sem apoios, refugia-se na embala do soba cuamato Aiquer, na outra margem do rio Cunene. Embora sem esperança de o prender, porque ele fugia a cavalo após cada derrota, resolvem os portugueses atacar a referida libata, com o auxilio do soba do Cuanhama, que se traduziu em 3500 homens e 6 cavaleiros e da cooperação dos secúlos de Chapelongo e Chitire-Cafunduca.
O combate dá-se em Dombeafungue e foi duro e prolongado. Iniciou-se às 16 horas e terminou no dia seguinte à 1 da manhã. Os apoiantes de Luhuna, que mais uma vez logrou escapar para o Lueque, sofreram pesada derrota tendo deixado no terreno mais de 200 mortos.
Atenta a impossibilidade de prender Luhuna e porque talvez já se encontrassem satisfeitos com o resultado das pilhagens praticadas, retiram os portugueses e seus aliados em Agosto de 1891 para a Huila.
Note-se que todos estes acontecimentos se desenrolaram entre Março e Agosto de 1891.
Luhuna, só terá sido capturado em 1905 pelo sertanejo José António Lopes. Levado para a sede do distrito onde lhe foram tiradas as fotos aqui postadas, foi depois deportado (desterrado) para Cabo Verde, onde terá porventura falecido em data incerta.
Na minha modesta opinião, não era demais Angola resgatar os restos mortais deste e doutros angolano que jazem por esse mundo fora, para que possam finalmente descansar em paz.      

  Setúbal, 14 de Setembro de 2014.