terça-feira, 4 de agosto de 2015



NAMIBE - ASSIM NASCEU UMA CIDADE
Coube a Diogo Cão a função de explorar a costa africana, a partir do Rio Zaire até à serra Parda, na segunda viagem a essas paragens longínquas, no ano de 1485.
No registo desta viagem deixada por Duarte Pacheco, no Esmeraldo de Situ Orbis, não há alusão à antiga Angra do Negro ou Little Fish Bay (como era conhecida pelos ingleses) , o que não aconteceu com o Tombwa e Baia dos Tigres, baptizadas com os nomes de Angra das Aldeias e Manga das Areias. Ignora-se o facto de que o navegador tivesse estacionado na baia ou a notasse sequer, no cumprimento dificil da rota imposta.
Posteriormente a  esta data, na inspecção costeira de Guerra Mendes Castelo-Branco, ordenada por Paulo Dias de Novais, até ao Cabo Negro, é muito possível que a baia tenha sido visitada, também por alguns navegadores das travessias demoradas para o Oriente e ainda poderá ter também acontecido com as experiências arrojadas dos colonos do Norte, que vinham comerciar ao Sul, em patachos, seduzidos pelo gado, frescos, escravos, cobre e marfim.
Quando em 1617, Cerveira Pereira desceu a costa, até ao monte negro, à procura de lugar para a sede do governo geral do seu reino, ultrapassou a importante baía, como se pode depreender pelo seu roteiro de viagem, tendo passando assim quase despercebida, ao primeiro governador geral do Reino de Benguela.
Em 1645, a armada de Souto Maior, vinda do Brasil em socorro de Angola, fundeou na enseada do Negro e a ela alude o relatório da travessia, feito pelo padre António Pires, que diz o seguinte: “E no outro dia que foram 10 de Julho damos como outra fragata em a enseada do Negro e aqui tomámos água e lenha e algum resgate de novilhos e carneiros”.
De outras visitas posteriores à passagem de Cerveira Pereira, rezam com clareza as inscrições encontradas por Pinheiro Furtado , em 1785, gravadas na pedra branda e que vão de 1649 a 1770. Eis o teor das inscrições: Kemy 1723; IHS 1666, Luiz de Barros passou por aqui em 1665; André Chevalier GY 1666; Jan Dies -; Francisco de Barros-; FRN + PM-; Thomaz Diemcombo 1768 e em 1770; Bernardo Quado Aso Febro passou por aqui em 1665; José da Rosa em 1665; MR 1649; WTARLOR 1768; IS 1770; Ryo Cone – Monde em 1665; Detonchon, 1665; SF 1770; Aqui esteve o patacho de Goya 1665,Manuel Rodrigues Coelho; Martim 1770; Aqui esteve o piloto Mateus Pires da Silva Pederneira 1665; Thomaz de Sousa -; O capitão José da Rosa  Alcobaça passou por aqui indo para o Cunene no patacho Nossa Senhora da Nazareth em 4 de Janeiro de 1765; O capitão Manuel de Lima-; aos 6 de fevereiro saltou o sargento Domingos de Morais nesta bahia que é formosa, em companhia do seu capitão José da Rosa em 1665; JANDIMMESEN 1669; VNS SEN GAEPEL 1669; ADRIIFENDIRERSEN-.
Em 1875, o então governador geral de Angola – Barão de Mossamedes – pressionado por razões politicas e estratégicas, decide explorar a costa ao sul de Benguela, com o intuito de montar um estabelecimento onde fosse mais conveniente e explorar o respectivo sertão para o poder prover dos respectivos meios de subsistência.
Nasceram daí as duas expedições, marítima e terrestre, enviadas à Angra do Negro em 1785, tendo o comando da primeira sido confiado ao tenente-coronel Cândido Pinheiro Furtado que, da então capital de Angola, para ali partiu a bordo da fragata Loanda, a 25 de Maio. De passagem por Benguela, onde concluiu os preparativos da sua pequena expedição – constituída pela fragata, uma lancha e um escaler – activando ainda nessa cidade a preparação da coluna que deveria seguir por terra para o Sul.
            A pequena frota, dada a natureza dos barcos que a compunham e tendo de lutar com as fortes correntes e a calema, próprias dos mares do Sul, vence com enormes dificuldades o caminho a percorrer, vindo a sua concentração na Angra do Negro a acontecer somente em fins de Agosto.
            A fragata Loanda fora a primeira a chegar; e, quando Pinheiro Furtado atingiu finalmente esse porto no escaler em que viajava desde Benguela, recebe da guarnição da fragata uma má notícia. O tenente de artilharia José de Sousa Sepúlveda, o cirurgião Francisco Bernardes e dois marinheiros haviam sido mortos. “Este (o cirurgião Bernardes) muito impensadamente, sem necessidade e mesmo contra a ordem recebida, costumava ir para terra e entranhar-se nela, com o desacordo de ir incendiar por duas diferentes vezes as cabanas dos negros que encontrou desertas; estes negros se apresentaram, e, com aparências de sincero trato e venda de gados por fazenda, os reduziram e mataram na praia com zagaias, despojando-os dos vestidos. O tenente ainda pode retirar-se para a lancha, porém mortalmente trespassado pelo peito, e expirou logo nela”.
            O escaler prossegue na sua viagem para Sul, até ao Cabo Negro, trazendo, de regresso, notícias desanimadoras sobre a natureza da costa: “Aqui é a própria imagem do mesmo horror e inutilidade; falta a água e nada vegeta nem vive, à excepção de alguns pássaros marinhos”.
            Entretanto, partira de Benguela a 30 de Setembro, à frente duma numerosa caravana, constituída na sua grande maioria por escravos seus, o sargento-mor de ordenanças Gregório José Mendes, rico comerciante daquela praça. Ao longo da costa, a marcha do “exército” – assim lhe chamava pomposamente o orgulhoso comandante da expedição terrestre – fazia-se com grande dificuldade, "e, pelas três da tarde de 3 de Novembro, avaliando o caminho por uma légua, chegou à Angra do Negro, assentando campo junto da ribeira que ali desagua no mar" e que Gregório Mendes baptizara com o nome de Rio das Mortes, em recordação dos marinheiros da fragata ali assassinados.
Em frente da baia a expedição descansa alguns dias, encantada com a suavidade do clima e com a riqueza do mar, e inicia a viagem de regresso a 8 de Novembro, caminhando agora mais pelo interior em direcção a Benguela.
            A Angra do Negro – Mossungo Bitoto na língua gentílica – a que o tenente-coronel Pinheiro Furtado deu o nome de Mossâmedes, em honra do Governador de Angola, ficava assim reconhecida. Gregório José Mendes informava no relatório da sua viagem: “Fundado o estabelecimento, preferível na Angra do Negro, achando-se esta distante do lugar do Bumbo 28 léguas, pode ali com o tempo receber os seus povoamentos, escravatura e efeitos do comércio”.
            O Barão de Mossâmedes exulta com o bom resultado das expedições e propõe para a Corte o envio imediato de casais de colonos. “Certamente não deixarei apagar as pegadas dos primeiros exploradores, sem mandar segundo corpo que lance as linhas a um novo estabelecimento”.
            Não chegara porém ainda a hora da ocupação definitiva da baía; e, não tendo os vivos entusiasmos do Barão encontrado na Corte portuguesa o devido eco, a costa do sul continuou abandonada e em perigo iminente de vir a ser ocupada por outras nações que nela procuravam praticar tráfico.
            Apesar da boa vontade do comando e da solicitude dos principais actuadores, a falta de auxilio da Coroa portuguesa, secundada, por certo, por falta de assitência por parte dos governos de Benguela e de Luanda, não permitiu que se erguesse, nessa ocasião, no litoral Sul, qualquer estabelecimento que determinasse a sua ocupação.
            Em 1805 a corveta Diana deu à costa, no paralelo 15º de latitude Sul. Os sobreviventes chegaram a Benguela acompanhados por 3 emissários do soba Kibangurula. Em agradecimento o governador da cidade manda o alferes Henriques Tomaz Nicolau Bonfim em visita de cortezia ao soba. O citado alferes foi muito bem recebido pelo soba e sua gente, tendo regressado na companhia de alguns emissários seus, que pediram, à autoridade de S. Filipe, um regente para as terras do Cabo Negro. O governador António Gomes Cortezão, despachou a embaixada indígena com muitos presentes e com a promessa da satisfação dessa sua pretensão.  Deferida a petição do chefe da capitania, Tomaz Nicolau Bonfim voltou ao Sul, nomeado regente do Cabo Negro.
            Tomaz Bonfim assentou arraiais na antiga Angra do Negro, como se pode ver pelos Anais do município de Mossamedes, onde se lê : ”No Quissongo existe uma pedra com inscrições já ininteligíveis, que se afirma terem sido feitas pelo dito capitão mor Tomaz. O sino e o caldeirão do navio naufragado existirem no Jau , tendo sido dados de presente pelo soba local ao daquele lugar”.
            Em 1808 escrevia Tomaz Nicolau ao governador de Benguela, o seguinte: “ as terras de Macoroca, que é verdadeiro Cabo Negro, onde costumam perder-se as embarcações, hoje estão na estimação de vassalos, com bem grande trabalho e dispêndio da minha bolsa, só para os poder convencer a Bem do serviço de Sua Alteza Nosso Senhor, e todo este trabalho que tenho tido é com a ajuda do soba da Huila, que há ocasiões  que me favorece com socorro de seus filhos, para o dito serviço.” Dizia ainda que o soba Kibangurula, abandonara a região, com sua gente, em virtude da escassez de alimentos, mostrando receios dos ataques de Quipa, soba do Humbe, e solicitando a intervenção da autoridade de Benguela para evitar qualquer guerra promovida por aquele soba.
            Por falta de apoio e de ligações marítimas com Benguela, Tomaz Nicolau não se demorou muito tempo na sua jurisdição, nem a sua permanência ali, isolada e isenta de meios, poderia contribuir  para a ocupação da antiga Angra do Negro.
            Em 1829 uma embaixada do Sul desloca-se a Benguela, prestar vassalagem e pedir um capitão-mor, pois estranhavam o facto de as suas gentes terem sido deixadas ao abandono, sem terem comprador para os seus produtos, enquanto isso não sucedia noutros lugares.
            Se alguma tentativa se fez, nessa altura, para reatar os trabalhos principiados em 1805, dela não ficou noticia. Mas, o mais certo, é que coisa alguma se tenha feito, pela razão máxima e esmagadora da falta de recursos.
            Até que, em 1838, mercê do influxo progressivo imprimido à administração colonial por Sá da Bandeira, de novo as atenções foram chamadas para o litoral de Moçâmedes. As instruções por ele passadas ao governador de Angola, vice-almirante António Manuel de Noronha, rezavam assim: “É este um dos motivos que determinaram Sua Majestade a recomendar ao Governador Geral que tenha em atenção os portos que há ao sul de Benguela, entre eles o de Mossâmedes, onde desagua o Rio das Mortes ou Bero. Diz-se que é navegável e que o porto é muito bom e que tem terras altas, que devem ser sadias e em que podem cultivar-se cereais. Convém ter ali um presidio, ainda que pequeno no princípio, para que se veja flutuar a bandeira portuguesa, e abrir-se depois comunicação com o presídio de Caconda”.
            Foi então incumbido da missão de explorar e demarcar com exatidão a baia de Mossâmedes o capitão-tenente Pedro Alexandrino da Cunha, que então comandava a corveta de guerra Isabel Maria.
Assim, a 9 de Agosto de 1839 partiu de Luanda a dita corveta levando a bordo António Joaquim Guimarães Júnior, que vinha credenciado pelo Ministro da Marinha, Visconde de Sá da Bandeira, para examinar a possibilidade do estabelecimento de uma feitoria de charqueação e curtumes de peles na costa sul de Benguela.
Passaram por Benguela, em busca de Tomaz Nicolau Bonfim para o acompanhar mas já não o encontrou e assim o tenente de artilharia João Francisco Garcia ofereceu-se para percorrer os sertões do Sul, seguindo por Quilengues, Huíla e Jau e dali descendo até Mossâmedes, onde se deveria juntar com Pedro Alexandrino da Cunha.
Depois de exploradas a “bahia d’Alexandre” e a “península dos Tigres” Pedro Alexandrino da Cunha, na companhia de António Joaquim Guimarães Júnior, veio a ancorar a 5 de Outubro de 1839 na Baia de Mossamedes, que assim a descreveu: “Esta bahia olha ao Oeste, e tem a margem do Sul mais extensa que a do Norte, e mais alta, sendo formada de barreiras de grés, coroadas por uma camada de pedra mui rija próprias para edificar. Do extremo oriental d’estas barreiras pega um extenso areial, que limita a bahia até à ponta do Norte. Da costa do sul da bahia, sáe um baixo que corre NNE. até quasi meia distância da ponta do Norte, e que é mui perigoso por isso que nem sempre rebenta. Na parte do Norte da bahia desemboca um rio um rio, a que os nativos dão o nome de Bélo, que só traz agua no tempo das grandes chuvas, mas onde sempre se acha cavando no alveo.
Este rio, a três dias de marcha para o interior, traz agua todo o anno, porém d’aqui para baixo todo se enfiltra pelo terreno, ou se evapora, a menos que não haja grandes chuvas. Estas circumstancias se dão em muitos rios d’esta costa. Mui perto da bahia se divide este rio em dois braços, dos quaes, um se dirige á bahia, como fica dito, e o outro se dirige á costa a pouca distancia da ponta do Norte da bahia, a um sitio chamado Loquengo (Pedro Alexandrino da Cunha nesta parte equivocou-se pois associou o rio Bero ao Giraul, uma vez que perto da foz do Giraul existia um sobado governado pelo soba Loquengo): as margens d’este rio estão bem guarnecidas de boa madeira, e o terreno por onde passa é de boa qualidade e susceptivel de muita cultura, havendo actualmente alguns arimos onde os nativos (as mulheres) cultiva milho, feijão, abobora e mandioca, em mui pouca quantidade, e apenas sufficiente para seu consumo. Ha no fundo da bahia, a cousa de cem passos da praia, uma nascente de mui boa agua entre uns juncaes, que ali abundam, e n’este logar é tanto ou mais fácil do que em Benguella o fazer aguada para os navios. Os nativos serve-se da que procura em cacimbas no alveo do rio, naturalmente por ser esta, que é muito melhor, um pouco distante da Libata ou povoação do Sobeta Mossungo, que está assente a uma milha da praia da bahia, e ao NE. Para o lado da ponta Norte da bahia há lagòas de agua salgada, que produzem muito bom sal, de que comprei uma porção aos nativos, para suprimento do navio, e do qual apresentei amostras ao contratador d’este género em Loanda. Possue este povo bastante gado vaccum, do qual me venderam o necessario para fornecimento da corveta durante os trinta dias que ali me demorei. É porém no vasto território dos Cubaes, povos essencialmente pastores, e mui proximos da bahia, onde a quantidade de gado é incalculável, e capaz de suprir as exigências da mais vasta especulação commercial, a quererem aquelles povos vende-lo, como é provavel, mas não certo; poisque muitos povos d’estes sertões repugnam vender em grandes quantidades o gado que possuem, porque parece que o têem na mesma conta que os nossos bens vinculados, e que se mede a importância e consideração do individuo pelo numero de cabeças que possue. A urzella (nome comum dado ao líquen Roccella tinctoria. A urzela produz um corante de cor purpura ou azul violáceo, que antes da invenção das anilinas sintéticas atingia grande valor para tingir têxteis.) cobre os arredores em quantidade inexgotavel, e de superior qualidade. É de lamentar que os nativos para a colher facilmente e não se dar ao trabalho de trepar, derrube as mais bellas arvores sem piedade. O peixe abunda na bahia em tão grande quantidade, que em todo o tempo que ali me demorei pescava diariamente em hora e meia até duas horas da manhã dez a quinze arrobas, pela maior parte de muito bom pargo, que de muito me servia para sustento da guarnição, dando-lhe de uma a duas libras de peixe ao almoço, e ceia, poisque a este tempo já os mantimentos do navios estavam exaustos. É de notar que os nativos d’esta bahia tem decidido horror ao peixe, quando os do porto Pinda (actual Tombwa), que d’estes tão proximos estão, o pescam e comem com avidez, estando uns e outros na costa do mar; e por isso o peixe frequenta esta bahia em tão grande quantidade não sendo ali molestado. Os hábitos, maneiras, linguagem e armas d’este povo, são identicas aos do porto Pinda, a que me refiro, com excepção acima indicada, e a de preferirem estes de Mossamedes a missanga branca, quando aquelles mais estimam a azul. Esta bahia de Mossamedes dá muito melhor abrigo aos navios que a de Benguella; tem um desembarque sempre seguro, mesmo nas maiores calêmas; está muito mais proxima dos ricos sertões de Cubaes, Quilengues, Jau, Huila e Caconda, do que aquella; e é muito mais sádia, provado pelo perfeito estado de saúde da minha guarnição, apesar do continuo trabalho de fachinas em terra, e aguada, que necessariamente os trazia expostos á intensidade do sol no zenith, e a frequentemente se molharem.”
Ali encontrou já um emissário do tenente Garcia que, descendo a serra da Chela e atravessando o deserto, avançou ao seu encontro, vindo a reunir-se-lhe a 7 de Novembro.
            Durante a demora da corveta procurou Pedro Alexandrino da Cunha, estabelecer com os nativos relações de amizade, incutindo-lhes confiança e atraindo-os ao comércio. O soba local Moena Chipolla foi festivamente servido a bordo em formatura da tripulação e presenteado com “uma capa encarnada, uma cadeira, um casal de leitões, um galo e uma galinha para criação, que nada tinham”.
            António Joaquim Guimarães Junior (conforme o seu livro Memoria sobre a Exploração da Costa Sul de Benguella n’Africa Occidental e Fundação da Primeira Feitoria na Bahia de Mossamedes) começou de imediato a estabelecer relações com os nativos,  quer comerciais, quer de amizade, acabando por solicitar ao soba “do denominado Mossungo Bittoto, tal é o nome da povoação, que habita as praias da bahia de Mossamedes” consentimento para construção de uma casa, onde se recolhessem as mercadorias que pretendia levar para a sua feitoria. “A estas proposições simplesmente retribuio, que me responderia no dia seguinte, mui naturalmente para no intervalo ouvir o conselho dos principaes de sua côrte, a que chamão Secúlos…. No dia seguinte, fallámos sobre a questão da véspera que tinha ficado pendente da sua decisão, e me disse, que não só consentia, em que fizessemos casa nas suas terras, mas também que se levantasse uma fortaleza, para que os povos do interior os não viesse guerrear para lhes roubar o gado, e que estava certo, que a nossa vinda devia aumentar a importância de suas terras.” 
Perante estes factos e das observações realizadas por Pedro Alexandrino, tanto a respeito dos povos do interior, muito rico em gado, como da natureza do clima e da abundância de peixe, derivou a resolução de implantar ali um presídio, cujo comando foi confiado ao tenente Garcia, sendo ao mesmo tempo reconhecido ao comerciante António Joaquim Guimarães Junior o direito de fundar na costa um estabelecimento de charqueação e curtumes de peles, para o que lhe foi permitido a ajuda do Governo da Colónia.
Regressado a Benguela, António Joaquim Guimarães Junior prontamente rescinde o acordo de ajuda do Governo da Colónia e associa-se a Jacomo Filippe Torres, abastado comerciante da praça de Benguela e assim parte para Mossamedes, a bordo da Escuna Cospe-fogo, onde chega a 19 de Janeiro de 1840 às vinte e três horas. O dia seguinte foi reservado para as festividades de boas vindas e troca de presentes e a 21 de Janeiro de 1840 “levámos para terra duas vélas da Escuna para fazer uma barraca em que provisoriamente nos recolhessemos, e para dar principio á construção das habitações. Logo o Soba Moena Chipolla veio á praia, e mandou chamar gente para nos conduzir todos os petrechos ao logar que escolhemos para nosso arraial, o que fizerão de muito boa vontade.” 
             O presídio só veio realmente a ser instalado em Junho de 1840, encontrando-se na altura já estabelecido António Joaquim Guimarães Junior de sociedade com Jacome Filippe Torres . (Em 29/11/1839 foi atribuido por Decreto do Conde do Bomfim, a Jacome Filippe Torres um terreno nas proximidades do Cabo Negro (entre 14 e 17º), para um Estabelecimento agricola-comercial, com a extensão de 4 milhas e a largura de três).
 Entretanto parte de Benguela em Fevereiro de 1840, a bordo do buique Raimundo I, o comandante do presidio, Tenente Garcia, com um destacamento de 29 praças e um oficial e todo o equipamento para  a instalação do forte. Na viagem são interceptados por um navio inglês que obrigou o buique a seguir para a Serra Leoa, tendo primeiro desembarcado os seus ocupantes em Benguela, atrasando assim o estabelecimento do presidio. Nesse mesmo buique seguiam para Mossamedes dois outros comerciantes que ali pretendiam estabelecer-se. Eram eles Manuel Joaquim Teixeira e João Pinto Gonçalves. Depois deste episódio, só Manuel Joaquim Teixeira se foi ali estabelecer, tendo ainda em 1840 se estabelecido Clemente Eleutério Freire de sociedade com João Maria de Sousa e Almeida.
Só em Julho de 1840 chegou a Mossamedes o Tenente Garcia e a sua tropa, para ali se estabelecerem. Escreve Bernardino Freire Abreu e Castro na sua carta ao Vice-Presidente da Camara Municipal de Mossamedes de 27/11/1856 "Já então existia no local, que hoje se chama hortas, uma feitoria bem montada, que pertencia a Jacome Filippe Torres de Benguela, e que tinha por socio administrador um sugeito por sobrenome Guimarães. Fazia este muito negócio, e se achava acreditado para com o gentio, o que lhe fez acarretar uma tal perseguição, que foi preso na mesma corveta para Loanda, roubando-lhe e destruindo a feitoria, que tão bem estabelecida estava que até tinha para seu serviço a escuna que hoje se chama "Conselho", e que então se denominava "Cospe Fogo". Protestou Jacome contra a violência, obteve justiça; mas não reparação, porque o causador não tinha com que pagar o prejuizo.
            Apesar deste primeiro acontecimento, ainda assim veio em 1840 Clemente Eleutério Freire montar outra feitoria de sociedade com João Maria de Sousa e Almeida, de Benguela, o qual acabou, sendo daqui enviado preso o dito Freire, o qual era de genio creador, e alguns serviços fez a este estabelecimento."
Com o que escreve Bernardino, se pode deduzir que o Tenente Garcia também montou a sua própria feitoria, não sem antes, a 13 de Agosto de 1840, ser assinado um auto de comércio e amizade com os sobas Moena Chipola, Giraulo e Kiatema (macota do soba do Jau), representando o Rei de Portugal, o comandante da corveta Pedro Alexandrino da Cunha e o chefe do Estabelecimento tenente Garcia.
Por portaria de 31 de Agosto de 1841, foi determinada a construção de um fortim na Ponta Negra, cabedelo que fecha a baía pelo sul.
            Em 1841 veio Bernardino José Brochado estabelecer outra feitoria de sociedade com D. Ana Ubertal, de Luanda. Em 1842, quando ali esteve o Governador Geral de Angola José Xavier Bressane Leite, já só existiam 3 feitorias. A de Brochado/Ana Ubertal, a de João Maria de Sousa e Almeida e a do já promovido Capitão Garcia.
            Em 1843 estabeleceu-se a feitoria de Fernando José Cardoso Guimarães de sociedade com Luiz Batista Fino e D. Ana Joaquina dos Santos também de Luanda, trazendo escravos de todos os ofícios, e todos os arranjos para montar uma pescaria, incluindo até marinheiros brancos. Esta feitoria foi a que mais tempo durou. Ainda nesse ano se estabeleceram de sociedade João Pinto Gonçalves e Amaro Moreira Torres de Novo Redondo, tendo o João Pinto ido negociar para o sertão.
            Em 1844 foi a vez de Mourão e Venâncio António da Silva, e em 1845 João António Magalhães de sociedade com Augusto Garrido, António Baptista de Lisboa de sociedade com o Capitão Garcia e ainda Elias Fortunato e Carlos Maria Fortunato.
            Quatro anos depois o tenente Francisco Garcia era substituído no seu cargo, por haver sido encarregado da construção de um fortim na Huíla. Assim se iniciava a expansão para as terras do Planalto, a partir de Mossamedes.
Mercê das explorações levadas a cabo por Pedro Alexandrino e pelo tenente Garcia, a região para sul de Quilengues destacou-se administrativamente de Benguela, tendo passado a constituir um novo distrito, cujos limites setentrionais vieram a ser traçados pelo Cabo de Santa Maria (portaria de 3 de Dezembro de 1855).
            Em 1846 achava-se à testa da pequena guarnição do presidio o tenente da armada Francisco António Correia. Apesar da aridez circundante e da insubmissão do povo, o novo núcleo populacional ia pouco a pouco ganhando raízes e estendendo os seus braços: a pequena fortaleza achava-se concluída e artilhada; novos estabelecimentos comerciais de permuta com os nativos se acolhiam à sua protecção; nas férteis margens do Bero as fazendas agrícolas alargavam as suas culturas; e a indústria do peixe ensaiava os seus primeiros passos. Já a população europeia contava setenta moradores; e o milagre da fixação da vida no litoral arenoso começava a ser uma esperança promissora…
            Alguns factos porém vieram comprometer passageiramente o tranquilo desenvolvimento da pequena póvoa: em 1847 foi o seu sossego alterado pela revolta e malograda fuga do Conde de Bonfim, que para ali fora deportado de Portugal; e, no ano seguinte, um ataque dos nanos ameaçou as fazendas e as vidas dos habitantes.
Um acontecimento inteiramente estranho à vida da povoação, viria a transmitir-lhe um definitivo impulso. Graves perturbações de origem nativista se haviam verificado na cidade de Pernambuco, onde a colónia portuguesa se viu sujeita a violências e vexames. Orientados porém por Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, os portugueses de Pernambuco não se deixaram abater e dirigiram uma petição ao Governo Central, solicitando a sua transferência para um lugar favorável das possessões africanas, onde pudessem fundar uma nova colónia.
            Este apelo encontrou acolhimento no Ministério do Ultramar. O funcionário Simão José da Luz Soriano, que tinha noticia das antigas tentativas realizadas pelo Barão de Mossâmedes no sentido da colonização da costa meridional africana, foi encarregado superiormente de redigir uma Memória sobre a baia, que apontou como verdadeiro local de eleição para um largo empreendimento de colonização do litoral do sul de Angola e, possivelmente, dos territórios do interior da Huíla. Enviado aos portugueses de Pernambuco, o trabalho redigido por Luz Soriano, que hoje constitui já um documento de verdadeiro significado histórico, foi por eles acolhido com esperança.
            Abreu e Castro, assume espontaneamente a chefia dos portugueses de Pernambuco resolvidos a abandonar o Brasil; e em breve a sua partida se efectua a bordo da barca Tentativa Feliz, com destino a Mossâmedes. “Era para pasmar – escrevia o chefe dos colonos – ver sair duma bela cidade aquela gente, divisando-se no rosto de todos a maior alegria, sabendo que trocavam uma habitação cómoda e divertida, para irem desembarcar em um areal, onde o seu primeiro cuidado seria edificar uma cabana para se abrigarem das injúrias do tempo”.
            Comboiava a barca o brigue de guerra Douro que fundeou em Mossamedes a 1 de Agosto de 1849, com 23 colonos a bordo e no dia 3 de Agosto foi a vez da barca Tentativa Feliz, com 147 colonos. Os primeiros desembarcaram no dia 2 e os vindos na barca desembarcaram, os rapazes solteiros no dia 5 e as familias nos dias 6 e 7. O trabalho das primeiras instalações tinha-lhes sido poupado: por efeito da portaria de 30 de Março daquele mesmo ano, o major José Herculano Ferreira da Horta, comandante do presidio, havia recebido ordem para preparar alojamentos para os novos colonos; e estes, ao desembarcarem, encontraram já onde abrigar-se provisoriamente, enquanto lhes não eram distribuídos terrenos. E não tardou que em Lisboa fosse criado o governo de Mossâmedes (Decº de 19 de Abril), sendo escolhido para o exercício desse cargo o tenente da armada António Sérgio de Sousa, ao qual foram passadas pela Secretaria do Ultramar as instruções de 26 de Abril, pelas quais devia reger-se de início a nova colónia.
            O governador geral Adrião Acácio da Silveira Pinto (1849-51) visita Mossâmedes e providencia eficazmente para o bom andamento dos seus primeiros passos. Mas a verdadeira força que impeliu a colónia e lhe transmitiu alma, foi o  optimismo do seu chefe, Bernardino Abreu e Castro, que, enfrentando corajosamente os desânimos que assaltavam os novos colonos, lhes incutiu, pela pregação e pelo exemplo, a fé indispensável ao triunfo de todos os grandes empreendimentos. Sem ele, sem o seu conselho e a sua tenacidade, tudo se poderia ter perdido! Às contrariedades que surgiram – secas prolongadas, cheias alagadoras, ataques populares – ele opunha imperturbavelmente a sentença do Evangelho: Só serão salvos os que preservarem até ao fim!  
            Achava-se a colónia nascente a braços com estas dificuldades, quando na baia surgiu, a 26 de Novembro de 1850, a barca Bracarense, comboiada pelo mesmo navio de guerra que escoltara os primeiros colonos, transportando uma nova leva de 124 portugueses, também saídos de Pernambuco.
            As chuvas, após uma terrível estiagem, tombam por fim abundantemente. E, por isso nascem as esperanças dos agricultores… O comando de Bernardino de Abreu e Castro incita os colonos, insistindo pelo cultivo da cana sacarina, do café e do algodão. Não só se esforça pelo estabelecimento dos engenhos de açúcar, cujas máquinas haviam sido trazidas do Brasil, como explora a vertente da Chela e sobe às terras do Planalto, levando, na companhia do Governador, os seus passos audaciosos até à Huíla, ao Jau e aos Gambos, onde colhe notícias do Cuanhama, que fazem sonhar com a travessia do Continente Africano pelo Zambeze.
            Entretanto a colónia prosperava de ano para ano, contando já para cima de 250 europeus: em 1851 era nela estabelecida uma alfândega, sendo remetidas para Luanda as primeiras amostras do açúcar das suas fazendas, criava-se um lugar de “mestra de meninas”, para o qual foi nomeada a colona Joana da Conceição Mesquita, e, por diploma de 7 de Maio, era a povoação elevada à categoria de vila. Em 1852 passava esta a constituir um julgado municipal. Em 1853 a influência da colónia irradiava para o porto Pinda, que era ocupado militarmente. Em 1854 era atribuído pároco à paróquia criada cinco anos antes, e o governador Fernando da Costa Leal chefiava uma pequena expedição marítima à foz do  rio Cunene. Em 1855 era eleita a sua primeira vereação municipal, sendo nesse mesmo ano iniciada a construção da igreja de Santo Adrião e, em 1856, atendendo à benignidade do clima, era ali fundado um hospital destinado a acolher doentes e convalescentes de toda a província. Em 1857 existiam jé em Mossâmedes 16 pescarias, empregando 280 trabalhadores locais.
           
Bibliografia
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Pioneiros de Angola – Explorações Portuguesas no Sul de Angola (Séculos XVII e XVIII) por Gastão de Sousa Dias – Lisboa 1937
O Distrito de Moçâmedes – Manuel Júlio de Mendonça Torres – Lisboa 1974
Memória Sobre a Exploração da Costa ao Sul de Benguela N’A Africa Occidental e Fundação da Primeira Feitoria na Bahia de Mossâmedes - António Joaquim Guimarães Junior – Lisboa 1842
Memorias Historico-Estatisticas  - P.W. de Brito Aranha – Lisboa 1871.
Descripção e Roteiro da Costa Occidental de Africa: Desde o Cabo Espartel até o das Agulhas – Alexandre Magno de Castilho – Lisboa 1867.
Quarenta e cinco dias em África – Autor anónimo – Porto 1862.
Angola – Apontamentos sobre a Colonização dos Planaltos e Litoral do Sul de Angola, Volumes I, II e III – Alfredo de Albuquerque Felner – Lisboa 1940.
Africa Occidental: Pte. Mossamedes, Huilla e Humpata – J.A. da Cunha Moraes – Lisboa 1888.

Ao Sul do Cuanza – Ralph Delgado, Volume II – Lisboa 1944.   

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