NAMIBE - ASSIM NASCEU UMA CIDADE
Coube a
Diogo Cão a função de explorar a costa africana, a partir do Rio Zaire até à
serra Parda, na segunda viagem a essas paragens longínquas, no ano de 1485.
No registo desta viagem
deixada por Duarte Pacheco, no Esmeraldo de Situ Orbis, não há alusão à antiga
Angra do Negro ou Little Fish Bay (como era conhecida pelos ingleses) , o que
não aconteceu com o Tombwa e Baia dos Tigres, baptizadas com os nomes de Angra
das Aldeias e Manga das Areias. Ignora-se o facto de que o navegador tivesse
estacionado na baia ou a notasse sequer, no cumprimento dificil da rota
imposta.
Posteriormente a esta data, na inspecção costeira de Guerra
Mendes Castelo-Branco, ordenada por Paulo Dias de Novais, até ao Cabo Negro, é
muito possível que a baia tenha sido visitada, também por alguns navegadores
das travessias demoradas para o Oriente e ainda poderá ter também acontecido
com as experiências arrojadas dos colonos do Norte, que vinham comerciar ao
Sul, em patachos, seduzidos pelo gado, frescos, escravos, cobre e marfim.
Quando em 1617,
Cerveira Pereira desceu a costa, até ao monte negro, à procura de lugar para a
sede do governo geral do seu reino, ultrapassou a importante baía, como se pode
depreender pelo seu roteiro de viagem, tendo passando assim quase despercebida,
ao primeiro governador geral do Reino de Benguela.
Em 1645, a armada de
Souto Maior, vinda do Brasil em socorro de Angola, fundeou na enseada do Negro
e a ela alude o relatório da travessia, feito pelo padre António Pires, que diz
o seguinte: “E no outro dia que foram 10 de Julho damos como outra fragata em a
enseada do Negro e aqui tomámos água e lenha e algum resgate de novilhos e
carneiros”.
De outras visitas
posteriores à passagem de Cerveira Pereira, rezam com clareza as inscrições
encontradas por Pinheiro Furtado , em 1785, gravadas na pedra branda e que vão
de 1649 a 1770. Eis o teor das inscrições: Kemy 1723; IHS 1666, Luiz de Barros
passou por aqui em 1665; André Chevalier GY 1666; Jan Dies -; Francisco de
Barros-; FRN + PM-; Thomaz Diemcombo 1768 e em 1770; Bernardo Quado Aso Febro
passou por aqui em 1665; José da Rosa em 1665; MR 1649; WTARLOR 1768; IS 1770;
Ryo Cone – Monde em 1665; Detonchon, 1665; SF 1770; Aqui esteve o patacho de
Goya 1665,Manuel Rodrigues Coelho; Martim 1770; Aqui esteve o piloto Mateus
Pires da Silva Pederneira 1665; Thomaz de Sousa -; O capitão José da Rosa Alcobaça passou por aqui indo para o Cunene
no patacho Nossa Senhora da Nazareth em 4 de Janeiro de 1765; O capitão Manuel
de Lima-; aos 6 de fevereiro saltou o sargento Domingos de Morais nesta bahia
que é formosa, em companhia do seu capitão José da Rosa em 1665; JANDIMMESEN
1669; VNS SEN GAEPEL 1669; ADRIIFENDIRERSEN-.
Em 1875, o então governador
geral de Angola – Barão de Mossamedes – pressionado por razões politicas e
estratégicas, decide explorar a costa ao sul de Benguela, com o intuito de
montar um estabelecimento onde fosse mais conveniente e explorar o respectivo
sertão para o poder prover dos respectivos meios de subsistência.
Nasceram daí as duas expedições,
marítima e terrestre, enviadas à Angra do Negro em 1785, tendo o comando da
primeira sido confiado ao tenente-coronel Cândido Pinheiro Furtado que, da então
capital de Angola, para ali partiu a bordo da fragata Loanda, a 25 de Maio. De passagem por Benguela, onde concluiu os
preparativos da sua pequena expedição – constituída pela fragata, uma lancha e
um escaler – activando ainda nessa cidade a preparação da coluna que deveria
seguir por terra para o Sul.
A
pequena frota, dada a natureza dos barcos que a compunham e tendo de lutar com
as fortes correntes e a calema, próprias dos mares do Sul, vence com enormes
dificuldades o caminho a percorrer, vindo a sua concentração na Angra do Negro a acontecer somente em
fins de Agosto.
A
fragata Loanda fora a primeira a
chegar; e, quando Pinheiro Furtado atingiu finalmente esse porto no escaler em
que viajava desde Benguela, recebe da guarnição da fragata uma má notícia. O
tenente de artilharia José de Sousa Sepúlveda, o cirurgião Francisco Bernardes
e dois marinheiros haviam sido mortos. “Este
(o cirurgião Bernardes) muito impensadamente, sem necessidade e mesmo contra a
ordem recebida, costumava ir para terra e entranhar-se nela, com o desacordo de
ir incendiar por duas diferentes vezes as cabanas dos negros que encontrou
desertas; estes negros se apresentaram, e, com aparências de sincero trato e
venda de gados por fazenda, os reduziram e mataram na praia com zagaias,
despojando-os dos vestidos. O tenente ainda pode retirar-se para a lancha,
porém mortalmente trespassado pelo peito, e expirou logo nela”.
O
escaler prossegue na sua viagem para Sul, até ao Cabo Negro, trazendo, de
regresso, notícias desanimadoras sobre a natureza da costa: “Aqui é a própria imagem do mesmo horror e
inutilidade; falta a água e nada vegeta nem vive, à excepção de alguns pássaros
marinhos”.
Entretanto,
partira de Benguela a 30 de Setembro, à frente duma numerosa caravana,
constituída na sua grande maioria por escravos seus, o sargento-mor de
ordenanças Gregório José Mendes, rico comerciante daquela praça. Ao longo da
costa, a marcha do “exército” – assim lhe chamava pomposamente o orgulhoso
comandante da expedição terrestre – fazia-se com grande dificuldade, "e,
pelas três da tarde de 3 de Novembro, avaliando o caminho por uma légua, chegou
à Angra do Negro, assentando campo junto da ribeira que ali desagua no
mar" e que Gregório Mendes baptizara com o nome de Rio das Mortes, em
recordação dos marinheiros da fragata ali assassinados.
Em frente da baia a expedição
descansa alguns dias, encantada com a suavidade do clima e com a riqueza do
mar, e inicia a viagem de regresso a 8 de Novembro, caminhando agora mais pelo
interior em direcção a Benguela.
A
Angra do Negro – Mossungo Bitoto na
língua gentílica – a que o tenente-coronel Pinheiro Furtado deu o nome de
Mossâmedes, em honra do Governador de Angola, ficava assim reconhecida.
Gregório José Mendes informava no relatório da sua viagem: “Fundado o estabelecimento, preferível na Angra do Negro, achando-se
esta distante do lugar do Bumbo 28 léguas, pode ali com o tempo receber os seus
povoamentos, escravatura e efeitos do comércio”.
O
Barão de Mossâmedes exulta com o bom resultado das expedições e propõe para a
Corte o envio imediato de casais de colonos. “Certamente não deixarei apagar as pegadas dos primeiros exploradores,
sem mandar segundo corpo que lance as linhas a um novo estabelecimento”.
Não
chegara porém ainda a hora da ocupação definitiva da baía; e, não tendo os
vivos entusiasmos do Barão encontrado na Corte portuguesa o devido eco, a costa
do sul continuou abandonada e em perigo iminente de vir a ser ocupada por outras
nações que nela procuravam praticar tráfico.
Apesar
da boa vontade do comando e da solicitude dos principais actuadores, a falta de
auxilio da Coroa portuguesa, secundada, por certo, por falta de assitência por
parte dos governos de Benguela e de Luanda, não permitiu que se erguesse, nessa
ocasião, no litoral Sul, qualquer estabelecimento que determinasse a sua
ocupação.
Em
1805 a corveta Diana deu à costa, no paralelo 15º de latitude Sul. Os
sobreviventes chegaram a Benguela acompanhados por 3 emissários do soba
Kibangurula. Em agradecimento o governador da cidade manda o alferes Henriques
Tomaz Nicolau Bonfim em visita de cortezia ao soba. O citado alferes foi muito
bem recebido pelo soba e sua gente, tendo regressado na companhia de alguns
emissários seus, que pediram, à autoridade de S. Filipe, um regente para as
terras do Cabo Negro. O governador António Gomes Cortezão, despachou a
embaixada indígena com muitos presentes e com a promessa da satisfação dessa
sua pretensão. Deferida a petição do
chefe da capitania, Tomaz Nicolau Bonfim voltou ao Sul, nomeado regente do Cabo
Negro.
Tomaz
Bonfim assentou arraiais na antiga Angra do Negro, como se pode ver pelos Anais
do município de Mossamedes, onde se lê : ”No
Quissongo existe uma pedra com inscrições já ininteligíveis, que se afirma
terem sido feitas pelo dito capitão mor Tomaz. O sino e o caldeirão do navio
naufragado existirem no Jau , tendo sido dados de presente pelo soba local ao
daquele lugar”.
Em
1808 escrevia Tomaz Nicolau ao governador de Benguela, o seguinte: “ as terras de Macoroca, que é verdadeiro
Cabo Negro, onde costumam perder-se as embarcações, hoje estão na estimação de
vassalos, com bem grande trabalho e dispêndio da minha bolsa, só para os poder
convencer a Bem do serviço de Sua Alteza Nosso Senhor, e todo este trabalho que
tenho tido é com a ajuda do soba da Huila, que há ocasiões que me favorece com socorro de seus filhos,
para o dito serviço.” Dizia ainda que o soba Kibangurula, abandonara a
região, com sua gente, em virtude da escassez de alimentos, mostrando receios
dos ataques de Quipa, soba do Humbe, e solicitando a intervenção da autoridade
de Benguela para evitar qualquer guerra promovida por aquele soba.
Por
falta de apoio e de ligações marítimas com Benguela, Tomaz Nicolau não se
demorou muito tempo na sua jurisdição, nem a sua permanência ali, isolada e
isenta de meios, poderia contribuir para
a ocupação da antiga Angra do Negro.
Em 1829 uma
embaixada do Sul desloca-se a Benguela, prestar vassalagem e pedir um
capitão-mor, pois estranhavam o facto de as suas gentes terem sido deixadas ao
abandono, sem terem comprador para os seus produtos, enquanto isso não sucedia noutros
lugares.
Se
alguma tentativa se fez, nessa altura, para reatar os trabalhos principiados em
1805, dela não ficou noticia. Mas, o mais certo, é que coisa alguma se tenha
feito, pela razão máxima e esmagadora da falta de recursos.
Até
que, em 1838, mercê do influxo progressivo imprimido à administração colonial
por Sá da Bandeira, de novo as atenções foram chamadas para o litoral de Moçâmedes.
As instruções por ele passadas ao governador de Angola, vice-almirante António
Manuel de Noronha, rezavam assim: “É este
um dos motivos que determinaram Sua Majestade a recomendar ao Governador Geral
que tenha em atenção os portos que há ao sul de Benguela, entre eles o de
Mossâmedes, onde desagua o Rio das Mortes ou Bero. Diz-se que é navegável e que
o porto é muito bom e que tem terras altas, que devem ser sadias e em que podem
cultivar-se cereais. Convém ter ali um presidio, ainda que pequeno no
princípio, para que se veja flutuar a bandeira portuguesa, e abrir-se depois
comunicação com o presídio de Caconda”.
Foi
então incumbido da missão de explorar e demarcar com exatidão a baia de
Mossâmedes o capitão-tenente Pedro Alexandrino da Cunha, que então comandava a
corveta de guerra Isabel Maria.
Assim, a 9 de Agosto de 1839 partiu
de Luanda a dita corveta levando a bordo António Joaquim Guimarães Júnior, que
vinha credenciado pelo Ministro da Marinha, Visconde de Sá da Bandeira, para
examinar a possibilidade do estabelecimento de uma feitoria de charqueação e
curtumes de peles na costa sul de Benguela.
Passaram por Benguela, em busca de
Tomaz Nicolau Bonfim para o acompanhar mas já não o encontrou e assim o tenente
de artilharia João Francisco Garcia ofereceu-se para percorrer os sertões do
Sul, seguindo por Quilengues, Huíla e Jau e dali descendo até Mossâmedes, onde
se deveria juntar com Pedro Alexandrino da Cunha.
Depois de exploradas a “bahia
d’Alexandre” e a “península dos Tigres” Pedro Alexandrino da Cunha, na
companhia de António Joaquim Guimarães Júnior, veio a ancorar a 5 de Outubro de
1839 na Baia de Mossamedes, que assim a descreveu: “Esta bahia olha ao Oeste, e tem a margem do Sul mais extensa que a do
Norte, e mais alta, sendo formada de barreiras de grés, coroadas por uma camada
de pedra mui rija próprias para edificar. Do extremo oriental d’estas barreiras
pega um extenso areial, que limita a bahia até à ponta do Norte. Da costa do
sul da bahia, sáe um baixo que corre NNE. até quasi meia distância da ponta do
Norte, e que é mui perigoso por isso que nem sempre rebenta. Na parte do Norte
da bahia desemboca um rio um rio, a que os nativos dão o nome de Bélo, que só
traz agua no tempo das grandes chuvas, mas onde sempre se acha cavando no
alveo.
Este rio, a três dias de marcha para
o interior, traz agua todo o anno, porém d’aqui para baixo todo se enfiltra pelo
terreno, ou se evapora, a menos que não haja grandes chuvas. Estas
circumstancias se dão em muitos rios d’esta costa. Mui perto da bahia se divide
este rio em dois braços, dos quaes, um se dirige á bahia, como fica dito, e o
outro se dirige á costa a pouca distancia da ponta do Norte da bahia, a um
sitio chamado Loquengo (Pedro Alexandrino da Cunha nesta parte equivocou-se pois associou o rio
Bero ao Giraul, uma vez que perto da foz do Giraul existia um sobado governado
pelo soba Loquengo): as margens d’este rio
estão bem guarnecidas de boa madeira, e o terreno por onde passa é de boa
qualidade e susceptivel de muita cultura, havendo actualmente alguns arimos
onde os nativos (as mulheres) cultiva milho, feijão, abobora e mandioca, em mui
pouca quantidade, e apenas sufficiente para seu consumo. Ha no fundo da bahia,
a cousa de cem passos da praia, uma nascente de mui boa agua entre uns juncaes,
que ali abundam, e n’este logar é tanto ou mais fácil do que em Benguella o
fazer aguada para os navios. Os nativos serve-se da que procura em cacimbas no
alveo do rio, naturalmente por ser esta, que é muito melhor, um pouco distante
da Libata ou povoação do Sobeta Mossungo, que está assente a uma milha da praia
da bahia, e ao NE. Para o lado da ponta Norte da bahia há lagòas de agua
salgada, que produzem muito bom sal, de que comprei uma porção aos nativos,
para suprimento do navio, e do qual apresentei amostras ao contratador d’este
género em Loanda. Possue este povo bastante gado vaccum, do qual me venderam o
necessario para fornecimento da corveta durante os trinta dias que ali me
demorei. É porém no vasto território dos Cubaes, povos essencialmente pastores,
e mui proximos da bahia, onde a quantidade de gado é incalculável, e capaz de
suprir as exigências da mais vasta especulação commercial, a quererem aquelles
povos vende-lo, como é provavel, mas não certo; poisque muitos povos d’estes
sertões repugnam vender em grandes quantidades o gado que possuem, porque
parece que o têem na mesma conta que os nossos bens vinculados, e que se mede a
importância e consideração do individuo pelo numero de cabeças que possue. A
urzella (nome comum dado ao líquen Roccella tinctoria. A urzela
produz um corante de cor purpura ou azul violáceo, que
antes da invenção das anilinas sintéticas atingia grande valor para tingir
têxteis.) cobre os arredores em
quantidade inexgotavel, e de superior qualidade. É de lamentar que os nativos
para a colher facilmente e não se dar ao trabalho de trepar, derrube as mais
bellas arvores sem piedade. O peixe abunda na bahia em tão grande quantidade,
que em todo o tempo que ali me demorei pescava diariamente em hora e meia até
duas horas da manhã dez a quinze arrobas, pela maior parte de muito bom pargo,
que de muito me servia para sustento da guarnição, dando-lhe de uma a duas
libras de peixe ao almoço, e ceia, poisque a este tempo já os mantimentos do
navios estavam exaustos. É de notar que os nativos d’esta bahia tem decidido
horror ao peixe, quando os do porto Pinda (actual Tombwa),
que d’estes tão proximos estão, o pescam e comem com avidez, estando uns e
outros na costa do mar; e por isso o peixe frequenta esta bahia em tão grande
quantidade não sendo ali molestado. Os hábitos, maneiras, linguagem e armas
d’este povo, são identicas aos do porto Pinda, a que me refiro, com excepção
acima indicada, e a de preferirem estes de Mossamedes a missanga branca, quando
aquelles mais estimam a azul. Esta bahia de Mossamedes dá muito melhor abrigo
aos navios que a de Benguella; tem um desembarque sempre seguro, mesmo nas
maiores calêmas; está muito mais proxima dos ricos sertões de Cubaes,
Quilengues, Jau, Huila e Caconda, do que aquella; e é muito mais sádia, provado
pelo perfeito estado de saúde da minha guarnição, apesar do continuo trabalho
de fachinas em terra, e aguada, que necessariamente os trazia expostos á
intensidade do sol no zenith, e a frequentemente se molharem.”
Ali encontrou já um emissário do
tenente Garcia que, descendo a serra da Chela e atravessando o deserto, avançou
ao seu encontro, vindo a reunir-se-lhe a 7 de Novembro.
Durante
a demora da corveta procurou Pedro Alexandrino da Cunha, estabelecer com os
nativos relações de amizade, incutindo-lhes confiança e atraindo-os ao
comércio. O soba local Moena Chipolla foi festivamente servido a bordo em
formatura da tripulação e presenteado com “uma
capa encarnada, uma cadeira, um casal de leitões, um galo e uma galinha para
criação, que nada tinham”.
António
Joaquim Guimarães Junior (conforme o seu livro Memoria sobre a Exploração da Costa
Sul de Benguella n’Africa Occidental e Fundação da Primeira Feitoria na Bahia
de Mossamedes) começou de imediato a estabelecer relações com os nativos, quer comerciais, quer de amizade, acabando
por solicitar ao soba “do denominado
Mossungo Bittoto, tal é o nome da povoação, que habita as praias da bahia de
Mossamedes” consentimento para construção de uma casa, onde se recolhessem
as mercadorias que pretendia levar para a sua feitoria. “A estas proposições simplesmente retribuio, que me responderia no dia
seguinte, mui naturalmente para no intervalo ouvir o conselho dos principaes de
sua côrte, a que chamão Secúlos…. No dia seguinte, fallámos sobre a questão da
véspera que tinha ficado pendente da sua decisão, e me disse, que não só
consentia, em que fizessemos casa nas suas terras, mas também que se levantasse
uma fortaleza, para que os povos do interior os não viesse guerrear para lhes
roubar o gado, e que estava certo, que a nossa vinda devia aumentar a
importância de suas terras.”
Perante estes factos e das
observações realizadas por Pedro Alexandrino, tanto a respeito dos povos do
interior, muito rico em gado, como da natureza do clima e da abundância de
peixe, derivou a resolução de implantar ali um presídio, cujo comando foi
confiado ao tenente Garcia, sendo ao mesmo tempo reconhecido ao comerciante
António Joaquim Guimarães Junior o direito de fundar na costa um
estabelecimento de charqueação e curtumes de peles, para o que lhe foi
permitido a ajuda do Governo da Colónia.
Regressado a Benguela, António
Joaquim Guimarães Junior prontamente rescinde o acordo de ajuda do Governo da
Colónia e associa-se a Jacomo Filippe Torres, abastado comerciante da praça de
Benguela e assim parte para Mossamedes, a bordo da Escuna Cospe-fogo, onde
chega a 19 de Janeiro de 1840 às vinte e três horas. O dia seguinte foi
reservado para as festividades de boas vindas e troca de presentes e a 21 de
Janeiro de 1840 “levámos para terra duas
vélas da Escuna para fazer uma barraca em que provisoriamente nos
recolhessemos, e para dar principio á construção das habitações. Logo o Soba
Moena Chipolla veio á praia, e mandou chamar gente para nos conduzir todos os
petrechos ao logar que escolhemos para nosso arraial, o que fizerão de muito
boa vontade.”
O
presídio só veio realmente a ser instalado em Junho de 1840, encontrando-se na
altura já estabelecido António Joaquim Guimarães Junior de sociedade com Jacome
Filippe Torres . (Em 29/11/1839 foi atribuido por Decreto do Conde do Bomfim, a
Jacome Filippe Torres um terreno nas proximidades do Cabo Negro (entre 14 e
17º), para um Estabelecimento agricola-comercial, com a extensão de 4 milhas e
a largura de três).
Entretanto parte de Benguela em Fevereiro de
1840, a bordo do buique Raimundo I, o comandante do presidio, Tenente Garcia,
com um destacamento de 29 praças e um oficial e todo o equipamento para a instalação do forte. Na viagem são interceptados
por um navio inglês que obrigou o buique a seguir para a Serra Leoa, tendo
primeiro desembarcado os seus ocupantes em Benguela, atrasando assim o
estabelecimento do presidio. Nesse mesmo buique seguiam para Mossamedes dois
outros comerciantes que ali pretendiam estabelecer-se. Eram eles Manuel Joaquim
Teixeira e João Pinto Gonçalves. Depois deste episódio, só Manuel Joaquim
Teixeira se foi ali estabelecer, tendo ainda em 1840 se estabelecido Clemente
Eleutério Freire de sociedade com João Maria de Sousa e Almeida.
Só em Julho de 1840 chegou a
Mossamedes o Tenente Garcia e a sua tropa, para ali se estabelecerem. Escreve
Bernardino Freire Abreu e Castro na sua carta ao Vice-Presidente da Camara
Municipal de Mossamedes de 27/11/1856 "Já
então existia no local, que hoje se chama hortas, uma feitoria bem montada, que
pertencia a Jacome Filippe Torres de Benguela, e que tinha por socio
administrador um sugeito por sobrenome Guimarães. Fazia este muito negócio, e
se achava acreditado para com o gentio, o que lhe fez acarretar uma tal
perseguição, que foi preso na mesma corveta para Loanda, roubando-lhe e
destruindo a feitoria, que tão bem estabelecida estava que até tinha para seu
serviço a escuna que hoje se chama "Conselho", e que então se denominava
"Cospe Fogo". Protestou Jacome contra a violência, obteve justiça;
mas não reparação, porque o causador não tinha com que pagar o prejuizo.
Apesar deste
primeiro acontecimento, ainda assim veio em 1840 Clemente Eleutério Freire
montar outra feitoria de sociedade com João Maria de Sousa e Almeida, de
Benguela, o qual acabou, sendo daqui enviado preso o dito Freire, o qual era de
genio creador, e alguns serviços fez a este estabelecimento."
Com o que escreve Bernardino, se pode
deduzir que o Tenente Garcia também montou a sua própria feitoria, não sem
antes, a 13 de Agosto de 1840, ser assinado um auto de comércio e amizade com
os sobas Moena Chipola, Giraulo e Kiatema (macota do soba do Jau),
representando o Rei de Portugal, o comandante da corveta Pedro Alexandrino da
Cunha e o chefe do Estabelecimento tenente Garcia.
Por portaria de 31 de Agosto de 1841,
foi determinada a construção de um fortim na Ponta Negra, cabedelo que fecha a
baía pelo sul.
Em
1841 veio Bernardino José Brochado estabelecer outra feitoria de sociedade com
D. Ana Ubertal, de Luanda. Em 1842, quando ali esteve o Governador Geral de
Angola José Xavier Bressane Leite, já só existiam 3 feitorias. A de
Brochado/Ana Ubertal, a de João Maria de Sousa e Almeida e a do já promovido
Capitão Garcia.
Em
1843 estabeleceu-se a feitoria de Fernando José Cardoso Guimarães de sociedade
com Luiz Batista Fino e D. Ana Joaquina dos Santos também de Luanda, trazendo
escravos de todos os ofícios, e todos os arranjos para montar uma pescaria,
incluindo até marinheiros brancos. Esta feitoria foi a que mais tempo durou.
Ainda nesse ano se estabeleceram de sociedade João Pinto Gonçalves e Amaro
Moreira Torres de Novo Redondo, tendo o João Pinto ido negociar para o sertão.
Em
1844 foi a vez de Mourão e Venâncio António da Silva, e em 1845 João António
Magalhães de sociedade com Augusto Garrido, António Baptista de Lisboa de
sociedade com o Capitão Garcia e ainda Elias Fortunato e Carlos Maria
Fortunato.
Quatro
anos depois o tenente Francisco Garcia era substituído no seu cargo, por haver
sido encarregado da construção de um fortim na Huíla. Assim se iniciava a
expansão para as terras do Planalto, a partir de Mossamedes.
Mercê das explorações levadas a cabo
por Pedro Alexandrino e pelo tenente Garcia, a região para sul de Quilengues
destacou-se administrativamente de Benguela, tendo passado a constituir um novo
distrito, cujos limites setentrionais vieram a ser traçados pelo Cabo de Santa
Maria (portaria de 3 de Dezembro de 1855).
Em
1846 achava-se à testa da pequena guarnição do presidio o tenente da armada
Francisco António Correia. Apesar da aridez circundante e da insubmissão do povo,
o novo núcleo populacional ia pouco a pouco ganhando raízes e estendendo os
seus braços: a pequena fortaleza achava-se concluída e artilhada; novos
estabelecimentos comerciais de permuta com os nativos se acolhiam à sua
protecção; nas férteis margens do Bero as fazendas agrícolas alargavam as suas
culturas; e a indústria do peixe ensaiava os seus primeiros passos. Já a
população europeia contava setenta moradores; e o milagre da fixação da vida no
litoral arenoso começava a ser uma esperança promissora…
Alguns
factos porém vieram comprometer passageiramente o tranquilo desenvolvimento da
pequena póvoa: em 1847 foi o seu sossego alterado pela revolta e malograda fuga
do Conde de Bonfim, que para ali fora deportado de Portugal; e, no ano
seguinte, um ataque dos nanos ameaçou as fazendas e as vidas dos habitantes.
Um acontecimento inteiramente
estranho à vida da povoação, viria a transmitir-lhe um definitivo impulso.
Graves perturbações de origem nativista se haviam verificado na cidade de
Pernambuco, onde a colónia portuguesa se viu sujeita a violências e vexames.
Orientados porém por Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, os
portugueses de Pernambuco não se deixaram abater e dirigiram uma petição ao
Governo Central, solicitando a sua transferência para um lugar favorável das
possessões africanas, onde pudessem fundar uma nova colónia.
Este
apelo encontrou acolhimento no Ministério do Ultramar. O funcionário Simão José
da Luz Soriano, que tinha noticia das antigas tentativas realizadas pelo Barão
de Mossâmedes no sentido da colonização da costa meridional africana, foi
encarregado superiormente de redigir uma Memória
sobre a baia, que apontou como verdadeiro local de eleição para um largo
empreendimento de colonização do litoral do sul de Angola e, possivelmente, dos
territórios do interior da Huíla. Enviado aos portugueses de Pernambuco, o
trabalho redigido por Luz Soriano, que hoje constitui já um documento de
verdadeiro significado histórico, foi por eles acolhido com esperança.
Abreu
e Castro, assume espontaneamente a chefia dos portugueses de Pernambuco
resolvidos a abandonar o Brasil; e em breve a sua partida se efectua a bordo da
barca Tentativa Feliz, com destino a
Mossâmedes. “Era para pasmar –
escrevia o chefe dos colonos – ver sair
duma bela cidade aquela gente, divisando-se no rosto de todos a maior alegria,
sabendo que trocavam uma habitação cómoda e
divertida, para irem desembarcar em um areal, onde o seu primeiro cuidado
seria edificar uma cabana para se abrigarem das injúrias do tempo”.
Comboiava
a barca o brigue de guerra Douro que
fundeou em Mossamedes a 1 de Agosto de 1849, com 23 colonos a bordo e no dia 3
de Agosto foi a vez da barca Tentativa
Feliz, com 147 colonos. Os primeiros desembarcaram no dia 2 e os vindos na
barca desembarcaram, os rapazes solteiros no dia 5 e as familias nos dias 6 e
7. O trabalho das primeiras instalações tinha-lhes sido poupado: por efeito da
portaria de 30 de Março daquele mesmo ano, o major José Herculano Ferreira da
Horta, comandante do presidio, havia recebido ordem para preparar alojamentos
para os novos colonos; e estes, ao desembarcarem, encontraram já onde
abrigar-se provisoriamente, enquanto lhes não eram distribuídos terrenos. E não
tardou que em Lisboa fosse criado o governo de Mossâmedes (Decº de 19 de
Abril), sendo escolhido para o exercício desse cargo o tenente da armada
António Sérgio de Sousa, ao qual foram passadas pela Secretaria do Ultramar as
instruções de 26 de Abril, pelas quais devia reger-se de início a nova colónia.
O
governador geral Adrião Acácio da Silveira Pinto (1849-51) visita Mossâmedes e
providencia eficazmente para o bom andamento dos seus primeiros passos. Mas a
verdadeira força que impeliu a colónia e lhe transmitiu alma, foi o optimismo do seu chefe, Bernardino Abreu e
Castro, que, enfrentando corajosamente os desânimos que assaltavam os novos
colonos, lhes incutiu, pela pregação e pelo exemplo, a fé indispensável ao
triunfo de todos os grandes empreendimentos. Sem ele, sem o seu conselho e a
sua tenacidade, tudo se poderia ter perdido! Às contrariedades que surgiram –
secas prolongadas, cheias alagadoras, ataques populares – ele opunha
imperturbavelmente a sentença do Evangelho: Só
serão salvos os que preservarem até ao fim!
Achava-se
a colónia nascente a braços com estas dificuldades, quando na baia surgiu, a 26
de Novembro de 1850, a barca Bracarense, comboiada pelo mesmo navio de guerra
que escoltara os primeiros colonos, transportando uma nova leva de 124
portugueses, também saídos de Pernambuco.
As
chuvas, após uma terrível estiagem, tombam por fim abundantemente. E, por isso
nascem as esperanças dos agricultores… O comando de Bernardino de Abreu e
Castro incita os colonos, insistindo pelo cultivo da cana sacarina, do café e
do algodão. Não só se esforça pelo estabelecimento dos engenhos de açúcar,
cujas máquinas haviam sido trazidas do Brasil, como explora a vertente da Chela
e sobe às terras do Planalto, levando, na companhia do Governador, os seus
passos audaciosos até à Huíla, ao Jau e aos Gambos, onde colhe notícias do
Cuanhama, que fazem sonhar com a travessia do Continente Africano pelo Zambeze.
Entretanto
a colónia prosperava de ano para ano, contando já para cima de 250 europeus: em
1851 era nela estabelecida uma alfândega, sendo remetidas para Luanda as
primeiras amostras do açúcar das suas fazendas, criava-se um lugar de “mestra de meninas”, para o qual foi
nomeada a colona Joana da Conceição Mesquita, e, por diploma de 7 de Maio, era
a povoação elevada à categoria de vila. Em 1852 passava esta a constituir um
julgado municipal. Em 1853 a influência da colónia irradiava para o porto Pinda,
que era ocupado militarmente. Em 1854 era atribuído pároco à paróquia criada
cinco anos antes, e o governador Fernando da Costa Leal chefiava uma pequena
expedição marítima à foz do rio Cunene.
Em 1855 era eleita a sua primeira vereação municipal, sendo nesse mesmo ano
iniciada a construção da igreja de Santo Adrião e, em 1856, atendendo à
benignidade do clima, era ali fundado um hospital destinado a acolher doentes e
convalescentes de toda a província. Em 1857 existiam jé em Mossâmedes 16
pescarias, empregando 280 trabalhadores locais.
Bibliografia
Moçâmedes – Um Século de
Colonização 1849-1949 (Ministério das Colónias) Gastão de Sousa Dias – Porto
1949
Pioneiros de Angola – Explorações
Portuguesas no Sul de Angola (Séculos XVII e XVIII) por Gastão de Sousa Dias –
Lisboa 1937
O Distrito de Moçâmedes – Manuel
Júlio de Mendonça Torres – Lisboa 1974
Memória Sobre a Exploração da
Costa ao Sul de Benguela N’A Africa Occidental e Fundação da Primeira Feitoria
na Bahia de Mossâmedes - António Joaquim Guimarães Junior – Lisboa 1842
Memorias
Historico-Estatisticas - P.W. de Brito
Aranha – Lisboa 1871.
Descripção e Roteiro da Costa
Occidental de Africa: Desde o Cabo Espartel até o das Agulhas – Alexandre Magno
de Castilho – Lisboa 1867.
Quarenta e cinco dias em África –
Autor anónimo – Porto 1862.
Angola – Apontamentos sobre a
Colonização dos Planaltos e Litoral do Sul de Angola, Volumes I, II e III –
Alfredo de Albuquerque Felner – Lisboa 1940.
Africa Occidental: Pte.
Mossamedes, Huilla e Humpata – J.A. da Cunha Moraes – Lisboa 1888.
Ao Sul do Cuanza – Ralph Delgado, Volume II – Lisboa 1944.
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